Semana mundial do meio ambiente - Água limpa, direito ou privilégio?

A urgência do ODS 6 num Brasil desigual

Luiz Asts

6/1/20255 min read

Um desafio global em pleno século XXI

Esta é a Semana Mundial do Meio Ambiente, um momento simbólico e necessário para repensarmos nossas práticas, políticas e responsabilidades em relação ao planeta. Para marcar essa semana de conscientização, todos os dias iremos abordar um tema diferente da Agenda 2030 da ONU, focando nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) relacionados ao meio ambiente.

Começamos pelo ODS 6 – Água Potável e Saneamento, que trata de um dos recursos mais preciosos e ao mesmo tempo mais negligenciados da humanidade: a água limpa e o acesso digno ao saneamento básico.

Apesar dos avanços tecnológicos e do crescimento econômico em diversas regiões do planeta, o acesso à água potável e ao saneamento básico continua sendo um dos maiores desafios humanitários do nosso tempo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2022, aproximadamente 2,2 bilhões de pessoas ainda careciam de serviços de água potável gerenciados de forma segura. Ainda mais alarmante é o fato de que 3,5 bilhões não tinham acesso a serviços adequados de saneamento.

Essa realidade evidencia não apenas uma falha estrutural, mas também uma crise de prioridade nas políticas públicas globais. A água, elemento essencial à vida, ainda não chega de maneira segura e contínua a quase um terço da população mundial.

Especialistas alertam: a crise é urgente

A Dra. Maria Neira, diretora do Departamento de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Saúde da OMS, reforça a gravidade da situação:

“Com os crescentes riscos à saúde relacionados à água, já observados hoje por meio de conflitos, emergência da resistência antimicrobiana, ressurgimento de focos de cólera e as ameaças de longo prazo das mudanças climáticas, o imperativo de investir é mais forte do que nunca.”

A frase resume bem o contexto atual: não estamos apenas lidando com uma escassez física de recursos, mas com as consequências sanitárias, sociais e geopolíticas de décadas de negligência ambiental.

O paradoxo brasileiro da abundância e da exclusão

O Brasil, dono de cerca de 12% da água doce do planeta e de dois dos maiores aquíferos do mundo — Guarani e Alter do Chão —, vive um paradoxo preocupante. Segundo dados da Agência Brasil, 33 milhões de brasileiros não têm acesso à água potável, e mais de 100 milhões vivem sem acesso à coleta de esgoto. Isso representa quase metade da população do país.

Essa contradição escancara não uma limitação de recursos naturais, mas sim falhas graves em planejamento, gestão e investimento. Como afirma Luana Pretto, presidente executiva do Instituto Trata Brasil:

“Apesar de sermos um país abundante em água doce, até mesmo moradores às margens do Rio Amazonas enfrentam desafios para acessar água potável.”

O problema, portanto, não é a falta d'água. É a ausência de políticas eficazes que garantam o direito ao seu acesso.

Disparidades regionais: onde o Brasil mais sofre

As desigualdades no acesso à água potável no Brasil são marcantes e refletem um país profundamente desigual:

  • Região Norte: apenas 58,9% da população tem acesso à água potável.

  • Região Nordeste: o índice sobe para 74,9%.

  • Região Sudeste: atinge 91,3%, revelando um contraste gritante com as demais regiões.

Esses dados, divulgados pelo portal BKP Trata Brasil, ilustram como o acesso a um serviço essencial ainda depende do CEP e do nível de investimento em infraestrutura local.

Governança e inovação: o que está em jogo

Segundo o especialista internacional Dr. Gary White, cofundador da ONG Water.org:

“A crise da água é uma crise de governança, não apenas de escassez. Precisamos de abordagens que combinem financiamento, tecnologia e vontade política para garantir acesso universal.”

Essa afirmação revela um ponto-chave: a solução não depende apenas de obras ou tecnologia, mas de uma visão estratégica integrada, que considere a água como bem público e direito inalienável.

Investir em saneamento e abastecimento de água significa reduzir doenças, aumentar a produtividade econômica, garantir dignidade humana e preservar os ecossistemas. Os impactos positivos são múltiplos e duradouros.

Caminhos para alcançar o ODS 6

Para que o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 6 (ODS 6) seja alcançado até 2030, é fundamental:

  • Expandir os investimentos em infraestrutura hídrica e de saneamento básico, com foco nas áreas mais carentes.

  • Fortalecer a governança dos recursos hídricos, com transparência, descentralização e participação social.

  • Incentivar a educação ambiental e o uso consciente da água, desde a escola até campanhas comunitárias.

  • Criar e fomentar parcerias entre governos, iniciativa privada e sociedade civil, compartilhando responsabilidades e soluções.

Essas ações devem ser contínuas e articuladas. Isoladamente, nenhuma delas resolverá o problema.

O sobre a desigualdade hídrica no Brasil

Em seu livro Agenda 2030 ao Alcance de Todos, no capítulo dedicado ao ODS 6 – Água Potável e Saneamento, Juscelino Olyveira aborda com sensibilidade e objetividade os desafios enfrentados no Brasil e no mundo quando se trata de garantir acesso universal à água de qualidade e ao saneamento básico. Ele destaca que, embora o Brasil concentre 12% da água doce do planeta, sua distribuição é extremamente desigual, com 68% localizada na região Norte e apenas 3% no Nordeste, região historicamente marcada por secas e carência estrutural.

Além disso, o autor enfatiza a urgência de políticas públicas efetivas voltadas ao combate à escassez hídrica e ao fortalecimento da infraestrutura nas áreas mais vulneráveis.

“Diante desse mal, o país precisa investir em políticas públicas de combate à seca na região Nordeste, para que ele possa avançar com relação a este ODS e mostrar ao mundo, em 2030, que cumpriu com sua obrigação,” alerta Juscelino.

Para ele, a água potável é um direito natural de todas as espécies e, sem ela, não há vida. Por isso, defende que a preservação das nascentes, o combate ao desperdício e a construção de soluções sustentáveis, como cisternas e saneamento ecológico, são ações urgentes e inadiáveis para garantir a saúde e dignidade das populações marginalizadas.

Água limpa: um direito, não um privilégio

A água é vida. E, como tal, precisa ser garantida a todos, em qualidade e quantidade suficientes. O saneamento é saúde, dignidade e futuro. Negá-los é perpetuar ciclos de pobreza, exclusão e adoecimento.

A urgência do ODS 6 nos convida — e nos pressiona — a transformar discursos em práticas. Cada copo d’água que chega com segurança a uma casa que antes não a tinha é um passo a mais em direção à justiça hídrica. E isso só será possível com ação política, compromisso social e vontade coletiva.